1. Introdução:
Não é novidade que a Emenda Constitucional (EC) n° 103/19, publicada em 13/11/2019, alterou diversas regras dos benefícios concedidos pelo INSS.
Aliás, certamente você já deve ter lido inúmeras notícias e artigos sobre o tema, sobretudo porque algumas das mudanças trazidas pela nova legislação são bem complexas e demandam grande estudo.
Apesar disso, minha missão nesse artigo é lhe explicar, de forma prática, os impactos da Reforma em um dos benefícios mais importantes do Direito Previdenciário: a aposentadoria especial.
2. Aposentadoria Especial: no que consiste?
Segundo dispõe o art. 57 da Lei n° 8.213/91, a aposentadoria especial é o benefício devido ao segurado que tiver trabalhado, de maneira habitual e permanente, em condições que prejudiquem a sua saúde ou integridade física durante o tempo mínimo previsto na legislação.
A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes prejudiciais à saúde ou integridade física é realizada por meio da elaboração de um formulário chamado PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), emitido pelo empregador ou por seu preposto com base no LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho), conforme estabelece o art. 68, §3° do Decreto n° 3.048/99, com redação dada pelo Decreto n° 10.410/20.
O tempo de trabalho especial mínimo necessário para a concessão dessa espécie de benefício depende do nível de nocividade dos agentes aos quais o trabalhador estiver exposto, podendo variar entre 15, 20 ou 25 anos (sendo essa última hipótese a mais comum), conforme Anexo IV do Decreto n° 3.048/99.
3. Reforma da Previdência: alterações:
Um dos benefícios mais afetados pela publicação da EC n° 103/19 foi a aposentadoria especial. As novas regras se mostram muito mais prejudiciais aos segurados do que as anteriores, sobretudo no que se refere aos requisitos para a concessão do benefício e na forma de cálculo da renda mensal inicial, conforme veremos a seguir.
3.1 Renda Mensal Inicial (RMI):
a) Antes da Reforma
Pela legislação vigente antes da EC n° 103/19, a RMI (valor inicial) da aposentadoria especial era apurada tomando-se por base o valor integral da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, a contar de julho de 1994 (início do Plano Real), conforme previsto no art. 29 e 57, §1°, ambos da Lei n° 8.213/91.
Em outras palavras, para se chegar no valor inicial do benefício, era feito o seguinte: primeiro, somava-se os 80% melhores salários contributivos desde julho de 1994; após, dividia-se o resultado dessa soma pelo número de meses contribuídos, chegando-se, então, no valor da média contributiva. O segurado recebia, enquanto RMI, 100% do valor dessa média.
Exemplo
Trabalhador contribuiu por 300 meses, sendo que 120 contribuições foram feitas sobre o salário de R$ 2.000,00, 120 sobre R$ 3.500,00 e 60 sobre R$ 1.000,00. Nessa hipótese, a RMI seria calculada assim:
- Soma dos salários: R$ 420.000,00 (120 x R$ 3.500,00) + R$ 240.000,00 (120 x R$ 2.000,00) = R$ 660.000,00. *(Obs: foram desconsiderado os 60 meses recolhidos sobre R$ 1.000,00, pois são as 20% piores contribuições).
- Média aritmética simples dos 80% maiores salários (R$ 660.000,00 / 240 meses) = R$ 2.750,00.
- Logo, a RMI seria o valor integral da média aritmética, ou seja, R$ 2.750,00.
b) Depois da Reforma
Agora, com a publicação da EC n° 103/19, muitos aspectos mudaram.
A primeira mudança diz respeito à forma de cálculo da média aritmética dos salários-de-contribuição: após a Reforma, não são mais excluídos os 20% menores salários! Ou seja, a média é obtida com base em 100% do histórico contributivo desde julho de 1994.
A segunda alteração refere-se à aplicação de coeficiente sobre a média aritmética para determinar a RMI. Se antes o segurado recebia o valor integral da média dos salários-de contribuição, agora ele recebe apenas uma porcentagem sobre esse montante, que corresponde a 60% + 2% por ano de contribuição que exceder a 20 anos para os homens e 15 anos para as mulheres (art. 26, §2°, IV da EC n° 103/19).
Para ver as consequências disso na prática, vejamos como ficaria o cálculo da RMI do mesmo caso hipotético do exemplo anterior, mas agora com base nas novas regras:
- Soma dos salários: R$ 420.000,00 (120 x R$ 3.500,00) + R$ 240.000,00 (120 x R$ 2.000,00) + R$ 60.000,00 (60 x R$ 1.000,00) = R$ 720.000,00.
- Média aritmética simples de 100% dos salários contributivos (R$ 720.000,00 / 300 meses) = R$ 2.400,00.
- Considerando que 300 meses correspondem a 25 anos, o segurado (homem) receberia 70% (60% + 10%) da média dos salários (R$ 2.400,00).
- Logo, a RMI da aposentadoria especial seria R$ 1.680,00, isto é, R$ 1.070,00 a menos do que o apurado no exemplo anterior.
3.2 Idade mínima:
Outra mudança muito relevante inaugurada pela EC n° 103/19 foi a fixação de um requisito etário para a obtenção da aposentadoria especial.
Antes da Reforma, não havia exigência de idade mínima para obtenção dessa espécie de benefício: bastava apenas que o segurado cumprisse o tempo de 15, 20 ou 25 anos de trabalho exercido com efetiva exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos prejudiciais à saúde ou integridade física.
Todavia, a partir de 13/11/2019, além de cumprir esse tempo de labor especial, dispõe o art. 19, §1° da EC 103/19 que o trabalhador também precisa preencher um critério de idade mínima, que é de:
- 55 anos, quando se tratar de atividade especial de 15 anos de contribuição;
- 58 anos, quando se tratar de atividade especial de 20 anos de contribuição;
- 60 anos, quando se tratar de atividade especial de 25 anos de contribuição (hipótese mais comum).
Não há diferenciação da idade para homens e mulheres.
Veja abaixo como ficou a regra geral da aposentadoria especial:
Exemplo:
Segundo as regras anteriores à Reforma, um segurado que começou a laborar em atividades especiais aos 20 anos poderia se aposentar assim que completasse 25 anos de contribuição – ou seja, aos 45 anos de idade.
Porém, pela nova legislação, esse mesmo trabalhador somente poderá se aposentar aos 60 anos, visto que, mesmo completando os 25 anos de contribuição especial aos 45 anos de idade, ele também precisa cumprir o requisito etário mínimo (60 anos).
Com efeito, ao comparar os dois regramentos nesse caso hipotético, constata-se que EC n° 103/19 exige que o segurado trabalhe 15 anos a mais para se aposentar.
3.3 Proibição da conversão do tempo especial em comum:
A conversão do tempo de trabalho especial em tempo comum consiste na aplicação de um fator multiplicador sobre o período efetivamente trabalhado sob exposição a agentes nocivos. Esse fator varia de acordo com o grau de especialidade da atividade e com o sexo do segurado. Veja:
A utilização da conversão é muito importante em casos nos quais o trabalhador não possui o período mínimo de contribuição para obter a aposentadoria especial “pura” (15, 20 ou 25 anos), pois assim ele pode ganhar um acréscimo no somatório final contributivo e obter outra espécie de benefício (aposentadoria por tempo de contribuição, por exemplo).
Entretanto, a partir da Reforma da Previdência, passou a ser expressamente proibida a conversão do tempo de trabalho especial em tempo comum (art. 25, §3° da EC n° 103/19). Mas, atenção: essa proibição só vale para os períodos trabalhados após a vigência da nova legislação, sendo assegurado o direito a conversão dos períodos especiais laborados antes de 13/11/2019.
3.4 Regra de transição:
Com a intenção de amenizar os prejuízos aos segurados que estavam próximos a obter a aposentadoria especial pela legislação anterior, a EC n° 103/19 prevê, em seu art. 21, uma regra de transição, que consiste no cumprimento de pontuação resultante da soma da idade e do tempo de contribuição.
Em linhas gerais, para se enquadrar nessa regra o(a) trabalhador(a) precisa atingir o total de: 66 pontos, quando se tratar de atividade especial de 15 anos de contribuição; 76 pontos, quando se tratar de atividade especial de 20 anos de contribuição; e 86 pontos, quando se tratar de atividade especial de 25 anos de contribuição.
A forma de cálculo da RMI segue a mesma regra geral da aposentadoria especial: aplica-se sobre a média aritmética simples dos salários-de-contribuição o coeficiente de 60% + 2% por ano de contribuição que exceder a 20 anos para os homens e 15 anos para as mulheres.
Cumpre salientar que o sistema de pontos não exige requisito etário. Porém, continua sendo exigido o tempo de contribuição especial mínimo de 15, 20 ou 25 anos.
A grande vantagem dessa regra de transição é que, para obtenção da pontuação, considera-se todo o tempo de contribuição, inclusive aquele não exercido sob condições especiais (art. 18 da Portaria n° 450/20 do INSS).
Exemplo:
O segurado possuía, em 13/11/2019, 24 anos de contribuição em atividade especial, 12 anos de tempo de trabalho comum e 48 anos de idade.
Nessa hipótese, considerando que ele continuou trabalhando na atividade especial durante todo o ano de 2020, verifica-se que houve o cumprimento da pontuação necessária para aposentar-se pela regra de transição em 13/11/2020, ocasião em que ele completou 25 anos de trabalho especial, 12 anos de tempo de trabalho comum e 49 anos de idade, totalizando 86 pontos.
4. Conclusão:
Como visto, a aposentadoria especial foi um dos benefícios que mais sofreu alterações pela Reforma da Previdência.
Dentre as principais inovações, merece destaque a modificação da forma de cálculo da média dos salários-de-contribuição e da RMI da aposentadoria, a previsão de idade mínima para obtenção do benefício e a proibição de conversão do tempo especial em tempo comum para períodos trabalhados após 13/11/2019.
A Reforma também prevê uma regra de transição para mitigar os prejuízos aos segurados que estavam próximos de obter o benefício nas regras antigas. Essa regra consiste no preenchimento de determinada pontuação, resultante da soma do tempo de contribuição e da idade do trabalhador, desde que respeitado o período mínimo de trabalho especial (15, 20 ou 25 anos, a depender do caso).
Diante de todo exposto, é muito importante que os(as) trabalhadores(as) atentem-se e busquem o auxílio de um profissional especializado na área para que a situação previdenciária seja analisada no caso concreto. Isso porque, dependendo da situação, é possível que o segurado comprove o preenchimento dos requisitos para se aposentar pela especialidade com base nas regras antigas (direito adquirido), o que resultará em um benefício muito mais vantajoso do que o estabelecido pela Lei atual.
Elaborado por:
VÍDEO: Bruno Pellizzetti – OAB/PR 54.159
ARTIGO: Eduardo Walber
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